por Katia Parente
Vinha trabalhando de forma intensa há quase seis meses após a mudança para uma nova cidade, então a casa ficou com caixas espalhadas e quase nada no lugar. Com poucas horas dormidas, não tinha tempo para um filme, muito menos para a leitura, pois cada vez que tentava, pegava no sono com as páginas abertas em seu colo.
Agora, com o projeto terminado e tudo caminhando para uma rotina mais tranquila, decidiu colocar a casa em ordem e foi arrumar seu armário. Em meio a papelada e outras tralhas que nem lembrava ter, encontrou o livro que começou ler há meses e não terminou. Abriu na página onde o marcador amassado indicava e deu uma breve lida no primeiro parágrafo.
A personagem caminhava por uma trilha coberta de neve e parecia ter se perdido do amigo, que antes caminhava ao seu lado. Ela estava indo atrás de um lugar para tirar a fotografia perfeita.
Fotografia perfeita? Que coisa estranha, pensou enquanto virava mais uma página do livro.
Fantasmas perambulavam pelo céu encoberto e a moça percebeu um movimento na mata, ficando tensa sem saber o que fazer.
Achando a história interessante, quis saber onde terminaria, então separou o livro ao seu lado e continuou colocando em ordem as prateleiras.
Como todo armário não visitado há muito tempo, este escondia outro tesouro. Uma garrafa de vinho nacional da uva Merlot descansava deitada junto com outros apetrechos, como cartas, diários e canecas temáticas embrulhadas em plástico bolha. Segurou a garrafa entre as mãos e ouviu o trovão, trazendo a chuva que começou a pipocar no vidro da janela.
O dia cinzento não estimulava a sair e sua obrigação em arrumar o armário e colocar a casa em ordem, também não. Mas a curiosidade e um pouco da preguiça, fizeram com que deixasse a bagunça de lado. Pegou o livro e a garrafa de vinho e foi para a sala. Com cuidado para não quebrar a rolha, abriu e se serviu de uma taça. O líquido rubro exalou um aroma aconchegante, onde frutas vermelhas maduras se misturavam a um fundo amadeirado, com nuances picantes que esquentaram sua alma. O convite se tornou irresistível.
Sentou-se na poltrona ao lado da janela, a taça apoiada na mesinha de canto, onde o abajur fornecia uma luminosidade âmbar, e o livro no colo. Entre um gole e uma página, terminou seu dia vivendo uma aventura no Triângulo do Alasca, em companhias agradáveis, como o livro e o vinho, enquanto o armário continuou sem arrumar e a chuva limpou a poeira da atmosfera.