Histórias do vinho

Vinho do Porto, um fortificado com história para contar

Além de sua idade, quase 400 anos com o nome que o conhecemos hoje, e em torno de 700, ou mais, de sua produção, o vinho do Porto percorreu muitas águas, literalmente: produzido na região do alto rio Douro, transportado para a foz por este mesmo corpo d’água e depois adentrando o Canal da Mancha até a Inglaterra, na época o maior consumidor deste vinho.

Desde meados de 1360, o vinho era levado em barricas pelos barcos rebelos através do rio e depois vendidos aos ingleses, porém durante a viagem os vinhos azedavam, o que fez os produtores acrescentarem aguardente para impedir que a fermentação continuasse e o vinho fosse conservado. Daí o título “fortificado”, pois a interrupção da fermentação, deixava o vinho com mais açúcar da fruta e portanto, mais doce e com teor alcoólico alto.

Como toda história de sucesso tem seu lado obscuro, há registros que em 1730 houve a falsificação dos vinhos, com o acréscimo de água para render mais, também se derramava açúcar e baga de sabugueiro para corrigir o desastre. Depois de punidos os responsáveis, a vigilância foi maior e as penalidades também, mas não foram só resultados negativos. Graças a isso foi criada a Real Companhia da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, pelo Sebastião José de Carvalho e Melo (futuro Marquês de Pombal), responsável pela demarcação da área de produção, que hoje é a DOC do Porto.

A manobra de adulteração dos vinhos, mudou o gosto dos consumidores e o vinho passou a ser propositalmente acrescido de aguardente vínica de forma mais controlada para frear a fermentação e com isso, manter o açúcar natural da fruta, o que fez o vinho se tornar adocicado e mais alcoólico.

Depois da crise da filoxera, início do século XX, o whisky foi bastante divulgado e em certas ocasiões também foi usado na fortificação dos vinhos, dando um sabor característico e superada a crise, voltou-se a usar a aguardente de uva na produção.

Atualmente o principal consumidor de Vinho de Porto é a França, porém com a popularização do vinho de forma geral, seu consumo tem crescido em diversos países, inclusive no Brasil.

Também se iniciou a produção dos Vinhos do Porto Branco e até Rosé, o que ainda é motivo de polêmica para os mais tradicionalistas, mas que agrada o consumidor moderno.

O que podemos concluir é que desde um Tawny até o Vintage, todos satisfazem ao apreciador de vinho, por isso, um brinde ao Vinho do Porto!


Referências: 

Grande Reserva: as melhores histórias do vinho português. João Barbosa. Oficina do livro, Portugal, 2011.

Casa Ferreirinha, berço do Barca Velha

Dona Antonia Adelaide Ferreira, a Ferreirinha, falecida em 1896, foi uma mulher visionária, que comprou terras não produtivas e as transformou e um vale de vinhas.

O Vale Meão, cujo nome foi dado por estar ao pé do morro entre duas curvas do rio Douro, é o berço do Barca Velha, pois que antes era ali o lugar da barca que permitia aos vizinhos da Torre de Moncorvo atravessarem o rio, para colher lenha, antes o único produto da região. Com o tempo a barca foi substituída por pontes, porém permaneceu atracada e virou nome do vinho. 

Foram produzidos muitos vinhos naquela região, passando por crises políticas e outros problemas, como a filoxera, ainda assim, como legado da visionária e ótima negociante, as terras permaneceram produtivas e foram ampliadas.

O Barca Velha foi elaborado pela primeira vez em 1952 por Fernando Nicolau Almeida, enólogo dedicado que soube selecionar as melhores vinhas e assim como Dona Ferreirinha, fez o nome da Casa Ferreirinha ser conhecido no mundo todo.

Este vinho é produzido somente em safras excepcionais e hoje com as uvas cultivadas na Quinta da Leda, não mais no Vale do Meão. Esta à venda no mercado por cerca de R$ 7.000,00!


Referências: 

Grande Reserva: as melhores histórias do vinho português. João Barbosa. Oficina do livro, Portugal, 2011.

Revista Adega: Edição Agosto 2020.

Cabernet Sauvignon: rainha das uvas tintas

A origem desta casta tão conhecida é a região de Bordeaux, França, sendo o resultado do cruzamento da Cabernet Franc com a Sauvignon Blanc, ambas da mesma região.

Seu nome pode ser incluído em poesias e histórias pitorescas, já que seu significado remete às origens e ao contato com a vida natural. Cabernet pode ser traduzido como homem das cavernas, e Sauvignon , selvagem, ou seja, difícil de domesticar. Isto porque sua casca grossa, rica em taninos, protege a fruta contra o ataque de pragas e mudanças climáticas intensas, como chuvas em excesso. A uva Cabernet Sauvignon se adapta à diferentes terroir, o que incentiva produtores do mundo todo a trabalharem em seu cultivo. França, EUA, Chile, Argentina e Brasil são grandes produtores.

Seja qual for o terroir ou o preço que você pagou pelo seu vinho, se for um Cabernet Sauvignon, certamente terá alguma característica peculiar, como aromas de frutas negras e especiarias, além de apresentar no paladar taninos intensos, porém elegantes e o sabor de cassis e frutas maduras. Se houver passagem por barrica, seus sabores serão acrescentados por baunilha e talvez eucalipto, dependendo do carvalho utilizado.

 

A Região de Bordeaux

Diferente de outras regiões viníferas, onde historiadores dizem que os vinhos eram produzidos por monges, Bordeaux foi desenvolvida por comerciantes, que preferiam vender o vinhos, ao invés das uvas. Houve um controle grande por parte dos produtores desta região para que seus vinhos entrassem competitivos nas ilhas britânicas, maiores consumidores de vinhos desta região no século XIV.

A maioria dos vinhos leva o nome do Château no rótulo, mesmo que este seja um pequeno galpão. Os vinhos são feitos  com as uvas Cabernet Sauvignon e Merlot, sendo muitas vezes reforçados pela Cabernet Franc e ocasionalmente pela Petit Verdo.

 

 

Referência: Joseph R., Vinhos Franceses, Guia Ilustrado Zahar, Ed. Zahar, 2008

 

 

Pêra-Manca: de onde veio este nome?

Há de se dizer que os portugueses são muito bons em contar histórias, as quais nunca se sabe serem verdadeiras.

Dizem que Pêra-Manca é um conjunto de calhaus, pedras ou granitos, com topo maior que a base, espalhados ao redor de Évora, e dão aos olhos a impressão de oscilarem.

A origem do Pêra-Manca se confunde com os contos, pois segundo o enólogo da Fundação Eugênio de Almeida, que atualmente detém a marca, a produção deste vinho se deve aos monges Jerónimos, habitantes de um convento construído no local onde, em 1365, foi avistada a imagem de Nossa Senhora.

O local se tornou ponto de peregrinação e quase um século depois, em 1458, foi construída uma igreja e mais tarde o convento.

Os monges produziam o vinho na região, Monte dos Pinheiros, no entanto, diz-se que não eram tão bons na labuta, por isso as vinhas foram arrendadas ao escudeiro Álvares de Azevedo, seguindo com o cultivo das vinhas e a produção do vinho.

Segundo a lenda, a fama era tanta, que no século XVI o vinho Pêra-Manca foi embarcado nas naus que levaram Pedro Álvares Cabral ao Brasil, o que também não se sabe se é verdade, como disse, é a lenda.

De qualquer forma, naquela região foram cultivadas as vinhas produtoras do famoso líquido rubro, através do próspero lavrador José António Soares, porém, assim como toda a Europa, também sofreram com a filoxera no final do século XIX.

A produção decaiu muito e no século XX, em 1987, o herdeiro da casa Soares doou a marca à Fundação Eugénio de Almeida com a condição de fazê-lo o melhor vinho da casa.

E assim o fizeram, sendo esta fundação também responsável pelo famoso Cartuxa, cujo nome compartilha com o Convento da Cartuxa.

O tinto é composto das castas aragonês e trincadeira; já o branco, das castas arinto e antão vaz. Sendo uma ou outra casta, nunca o fizeram monovarietal.

A despeito de sua história confusa, o Pêra-Manca é um ícone português, cujo nome se deve à região e é produzido em safras excepcionais, muito valorizado no mundo do vinho.

Hoje, em 2021, o custo de uma garrafa gira em torno de R$ 4.000,00!

 

Referências: 

Grande Reserva: as melhores histórias do vinho português. João Barbosa. Oficina do livro, Portugal, 2011.

Spotachio, um vinho brasileiro.

Após sua produção na vinícola Ulian, em Flores da Cunha, RS, o vinho foi oferecido a um cliente, dono de restaurante, para ser classificado como o vinho da casa.

Servido na taça, o vinho aparentava ser como outro qualquer, cor ruby intensa e límpida. O cliente dá um gole, saboreia e após um instante, franze a testa e diz:

“Bá, mas este vinho está uma porcaria! “

 O dono do vinho, emburra e vai embora, desprezando as garrafas guardadas na cave da vinícola, cheias do tal vinho.

Após cerca de ano e meio, um almoço é servido na vinícola para amigos e clientes. O tal cliente, que não quis o vinho, também vai e entre os diversos vinhos servidos, alguns italianos, aquele desprezado também passa pelo paladar de todos.

“Bá, mas que vinho bom!” diz o cliente.

“Pois é, esse é aquele que você disse estar uma porcaria!” responde o dono da vinícola.

“Não é possível, che!”

O elogio foi geral e o vinho se tornou a estrela do almoço.

E assim, depois de ser convencido pela filha, que soube identificar uma perola em meio às pedras, o dono da vinícola decide comercializar o vinho, chamado de Spotachio, que significa porcaria no dialeto italiano do sul do Brasil.

É um blending das castas Merlot e Cabernet Sauvignon, da safra 2014. Logo mais vem a próxima, que aguardo ansiosa para provar.

Muito corpo, tanino e acidez suavizados pelos meses na madeira e amadurecidos na garrafa, que dão uma característica excepcional ao vinho.

 

Referências: Vinícola Ulian.

Brunello di Montalcino, vinhos com personalidade e história

O farmacêutico Clementi Santi, no século XIX, pesquisou as variedades de uvas da Toscana e possíveis clones para a uva Sangiove Grosso, assim como diferentes processos para a produção de vinhos. Desta forma, descobriu que um dos clones poderia gerar um vinho de grande potencial.

Sendo assim, seu primeiro vinho premiado foi em 1865, chamado de Vino Scelto (Vinho Escolhido), chamado de Brunello ou Brunelino, portanto a uva Sangiovese passou a ser conhecida como Brunello.

Brune significa marrom em italiano e deu nome à uva devido à cor escura desta casta.

Desde então, muitas outras safras foram premiadas e a região de Montalcino, na Toscana, recebeu sua D.O. (Denominazione di Origine) em 1966, assim como sua DOCG (Denominazione di Origine Controllata e Garantita), em 1980.

Os herdeiros de Clementi Santi mantiveram a tradição, respeitando as rigorosas regras definidas mais tarde e produzindo um vinho com potencial de guarda que pode chegar a 40 anos!

Hoje existem cerca de 200 produtores e 2100 hectares na região de Montalcino e há outros vinhos com a mesma uva que podem ser apreciados por um custo menor, como é o caso do Rosso, vinho de entrada do Brunello.

 

Referências:

Brunello di Montalcino. Revista Adega, julho 2016, por Arnaldo Grizzo.

Vinhos, o essencial. 2a Edição. Editora Senac, SP, 2004.